"Ora, enquanto lá estavam, chegou o dia em que ela devia dar à luz; ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na sala dos hóspedes.
Havia na mesma região pastores, que viviam nos campos e montavam guarda durante a noite junto a seu rebanho. Um anjo do Senhor se apresentou diante deles, a glória do Senhor os envolveu de luz e eles ficaram tomados de grande temor. O anjo lhes disse: ‘Não tenhais medo, pois eis que eu venho anunciar-vos uma boa nova, que será uma grande alegria para todo o povo: Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo Senhor; eis um sinal que vos é dado: achareis um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura’. De repente, apareceu uma multidão da milícia celeste que cantava os louvores de Deus e dizia: ‘Glória a Deus no mais alto dos céus e sobre a terra paz para os seus bem-amados" (Lc 2,14).
A exaltação angélica manifesta paralelamente dois componentes singulares que o nascimento de Cristo proporcionou: glória a Deus e a paz aos seus bem-amados – nos céus e na terra. O nascimento de Jesus realiza a glória de Deus e a paz aos homens.
Essa glória manifesta o esplendor divino; é também o reconhecimento, por parte do homem, da bondade e da misericórdia divina, das maravilhas pelo Senhor realizadas em sua vida, da primazia de Deus sobre todas as coisas. É o verdadeiro entendimento de que Deus é Deus e de que o homem é criatura de Deus, limitada, fraca, pecadora, dependente dele; mas é também alvo da benevolência de Deus, é o bem-amado de Deus. O encontro com o Menino Deus gera a compreensão de que Deus se fez carne para trazer a salvação, impulsionado simplesmente pelo amor gratuito e profundo pelo homem.
A paz, também cantada pelo anjo, indica muito mais do que ausência de guerra e de conflitos humanos, mas "toda sorte de bens espiritual e físico: a felicidade perfeita, a salvação que o Messias viria dar, a plenitude da Paz. A verdadeira paz que não vem dos homens, mas vem de Deus" (Regras de Vida Shalom, 131). Jesus é a nossa paz. É Ele que nos reconcilia com Deus, através do perdão dos pecados, e derrama sobre nós o dom do Espírito de Deus.
Como o homem pode fazer essa experiência? O que pensar quando bem próximo do nascimento de Jesus um jovem entra num cinema com uma arma muito potente e dispara em direção à platéia vários tiros que levaram três jovens à morte? Que significado tem o Natal diante do crescimento assustador da violência? Que significado tem o Natal diante da morte de tantos homens, mulheres e crianças ocasionada pela fome? Será que não é ilusória a esperança de que aconteça a regeneração total do homem através do nascimento de Cristo? Não!!! Todas estas terríveis realidades revelam ainda mais que os homens precisam de Deus, precisam que Jesus nasça para trazer-lhes a salvação. Ao contrário do que muitos de nós pensa, os acontecimentos trágicos que os homens contemplam são sinais de que o mundo precisa de salvação, precisam de Jesus e é exatamente aí que o Natal se enche de significado. A vinda de Jesus ao mundo tem o objetivo principal que é libertação do homem de todo o mal e a reconciliação com Deus.
Como escreve o Cardeal Carlo Maria Martini (1999: pp.19-20): "O Natal não é um prêmio para o ser humano bom. É, sim, oferecer salvação a uma humanidade que, efetivamente, é má e que tem necessidade de sentir a urgente necessidade de mudar de caminho se não se conformar em perecer. Não, sozinho o ser humano não sabe o caminho da paz, somos novamente surpreendidos pelos gritos da violência... Em momentos como esse, a mensagem da salvação oferece ao homem humilhado e dividido, o chamado para a dignidade da pessoa que nos vem do nascimento de Jesus, em momentos assim, mais do que nunca, é necessário que um prudente otimismo não ceda lugar à descrença e ao desespero... Sem cessar, importa apontar para o homem um caminho que o guie para fora das suas vielas escuras para as quais quer arremessá-lo a sua desordem".
É exatamente "em um mundo marcado pelo pecado, que errou bastante acerca do conhecimento de Deus, onde reinam tantos males, o ocultismo, a não conservação da pureza nem na vida, nem no matrimônio, a impureza, o adultério, sangue, crime, roubo, fraude, corrupção, deslealdade, revolta, perjúrio, perseguição dos bons, esquecimento da gratidão, impureza das almas, inversão sexual, desordens no casamento, despudor e etc, e ainda se diz em paz" (RVS 135), num mundo marcado pelo aborto, pelas drogas, pela ânsia de poder e de ter é que Deus olha os seus queridos, os seus bem-amados e envia seu Filho ao mundo para salvá-lo e Jesus amou tanto o mundo que morreu numa cruz por todos.
Deus vê a incredulidade, as guerras, as injustiças, as divisões, as discórdias, o indiferentismo religioso; vê as multidões exaustas e prostradas "como ovelhas sem pastor" (Mt 9,35) e seu coração se enche de compaixão dos seus queridos, dos seus bem-amados e se faz carne, habita entre os homens, "Ele que tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz" (Fil 2,6-8). O amor misericordioso de Deus é a mola que o impulsionou a vir ao mundo para salvá-lo. Quanto mais os homens manifestam a sua desordem, mais precisam do Pai compassivo, que o ama acima de todas as coisas, que o ama com amor eterno, pessoal, um amor que não coloca condições, um amor gratuito. O coração compassivo de Deus não deixou o homem a mercê de seus pecados, de suas fraquezas, dos seus sofrimentos, por isto o Natal é a festa da misericórdia de Deus. Como escreve Raniero Cantalamessa (1993: p.40): "O Natal é a suprema manifestação do amor de Deus: nele se manifestou a bondade de Deus e o seu amor pelos homens. Este é orvalho que no Natal se destilou dos céus, a doçura que choveu do alto".
Só compreende mistério do Natal quem mergulha o coração nele, com Jesus, quem não fica na superficialidade, nos presentes, nas guloseimas, mas penetra no íntimo do mistério: "A encarnação de Jesus, o nascimento de Jesus, realiza duas coisas muito importantes na vida dos homens, a primeira lhes enche de amor e a segunda, lhes dá a certeza de sua salvação. A caridade que ninguém pode compreender! O amor além do qual não existe amor maior: o meu Deus se fez carne para me fazer Deus! O amor desentranhado: destruíste-te para construir-me. O abismo do teu fazer-te homem arranca dos meus lábios palavras tão desentranhadas. Quando tu, Jesus, me fazes compreender que nasceste por mim, como é glorificante para mim compreender um tal fato!
(B. Angela de Foligno).